terça-feira, 2 de setembro de 2025

O DEUS DAS LACUNAS

“NAS LACUNAS É ONDE A VIDA ACONTECE.”

Se pensarmos bem:

“Na criação, Deus separa luz e trevas, águas de cima e de baixo, terra e mar. Mas é nos intervalos que surge a vida: na fronteira entre céu e terra, entre água e solo. Na respiração, não é só o ar que nos mantém, mas o espaço vazio dentro dos pulmões que o acolhe. Na música, a pausa é tão essencial quanto a nota. A lacuna dá ritmo, sentido, emoção. Na fé, Abraão vive na lacuna da promessa não cumprida ainda. É nesse espaço vazio que a confiança floresce. Na cruz, o silêncio de Deus é a maior lacuna da história. E justamente ali, no “meu Deus, por que me desamparaste?”, a vida eterna é gestada. Então, dizer que Deus é o Deus das lacunas não é diminuí-Lo, mas confessar que Ele habita o intervalo, onde o homem não consegue preencher por si. O mundo chama isso de vazio, mas é no vazio que Ele sopra o Espírito.”

Muitos usam a expressão Deus das lacunas como zombaria. É a tentativa de reduzir a fé a um remendo para a ignorância. Mas eu não a recebo assim. Para mim, o Deus das lacunas não é o que se esconde nas brechas da ciência, mas o que dá sentido aos espaços em que a vida realmente acontece.

Na criação, a Palavra divina não apenas fez surgir luz e trevas, águas e terra. O próprio ato de separar abriu lacunas. É no limite entre céu e chão que a vida se ergue, na fronteira entre mar e solo que brota a relva, nos interstícios que a existência floresce. Não é no maciço da rocha que o rio corre, mas na fenda que o acolhe.

Na respiração, não é apenas o ar que nos sustenta, mas o vazio dos pulmões que o recebe. O espaço interno, a lacuna invisível, é o que permite o sopro. Na música, as notas não vivem sem as pausas. A lacuna é o que dá ritmo, cadência, emoção. Sem intervalo, não há melodia, só ruído. É no silêncio entre as batidas que o coração encontra compasso.

Na fé, as promessas de Deus também se cumprem nas lacunas. Abraão viveu entre a palavra dada e a palavra realizada. Esse espaço vazio se chama esperança. Israel caminhou pelo deserto, lugar de lacuna, onde nada parecia suficiente. Ali aprenderam que o maná cai do céu. Até na cruz, a maior lacuna da história se abriu. O Filho clamou: Meu Deus, por que me desamparaste? Foi no silêncio do Pai, na ausência sentida, que se gestou a vitória da ressurreição.

As lacunas não são falhas. São molduras. São espaço preparado para que Deus se manifeste. Não é que Ele só exista nelas, mas nelas nós aprendemos a percebê-Lo. Porque quando tudo parece cheio, nos iludimos de autossuficiência. É no vazio, no intervalo, na falta, na limitação, que reconhecemos a presença que sustenta.

Deus é o Deus das lacunas porque Ele é o Deus da vida. E a vida pulsa nesses espaços que não controlamos. Entre um pensamento e outro, entre um passo e outro, entre um suspiro e outro. Onde parece não haver nada, ali pode estar o sopro do Eterno.

"O chamado "Deus das lacunas" é muitas
vezes usado como crítica, insinuando que
à medida que a ciência avança, as áreas
antes atribuídas a Deus vão
desaparecendo. Contudo, isso ignora um
ponto fundamental: existem limites
intransponíveis ao conhecimento
humano. O princípio da incerteza de
Heisenberg demonstra que não é possível
determinar simultaneamente, com
precisão absoluta, grandezas
complementares como posição e
momento de uma partícula. Esse limite
não é fruto de ignorância momentânea,
mas uma barreira estrutural da realidade."


 > DEUS É A BASE E FULCRO ESTRUTURAL DA REALIDADE <



Obs.: Quando digo “Deus das lacunas”, não falo de ignorância provisória, mas das lacunas estruturais do real — as bordas onde a vida brota e o sentido aparece. Há limites que não são falhas do saber, mas arquitetura da criação. Neles, Deus não compete com as causas naturais: Ele as funda. É por isso que certas pretensões de um “mundo totalmente simulável” soam ocas; se a realidade tem fronteiras que nenhum algoritmo exaure, a lacuna não é ausência — é presença sustentadora.

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