Os Arquétipos
Christopher Vogler
"Seja
ou não invocado, Deus virá."
Lema sobre a porta da casa de Carl Jung
Assim que entramos no mundo dos contos de fadas e dos
mitos, observamos que há tipos recorrentes de personagens e relações: heróis
que partem em busca de alguma coisa, arautos que os chamam à aventura, homens e
mulheres velhos e sábios que lhes dão certos dons mágicos, guardiões de entrada
que parecem bloquear seu caminho, companheiros de viagem que se transformam,
mudam de forma e os confundem, vilões nas sombras que tentam destruí-los,
brincalhões que perturbam o status quo e trazem um alívio cômico.
Ao descrever esses tipos comuns de personagem, símbolos e relações, o psicólogo suíço Carl G. Jung empregou o termo arquétipos para designar antigos padrões de personalidade que são uma herança compartilhada por toda a raça humana.
Ao descrever esses tipos comuns de personagem, símbolos e relações, o psicólogo suíço Carl G. Jung empregou o termo arquétipos para designar antigos padrões de personalidade que são uma herança compartilhada por toda a raça humana.
Jung sugeriu que pode existir um inconsciente
coletivo, semelhante ao inconsciente pessoal. Os contos de fadas e os mitos
seriam como os sonhos de uma cultura inteira, brotando desse inconsciente
coletivo. Os mesmos tipos de personagem parecem ocorrer, tanto na escala
pessoal como na coletiva. Os arquétipos são impressionantemente constantes
através dos tempos e das mais variadas culturas, nos sonhos e nas
personalidades dos indivíduos, assim como na imaginação mítica do mundo
inteiro. Uma compreensão dessas forças é um dos elementos mais poderosos no baú
de truques de um moderno contador de histórias.
O conceito de arquétipo é uma ferramenta indispensável
para se compreender o propósito ou função dos personagens em uma história. Se
você descobrir qual a função do arquétipo que um determinado personagem está
expressando, isso pode lhe ajudar a determinar se o personagem está jogando
todo o seu peso na história. Os arquétipos fazem parte da linguagem universal
da narrativa. Dominar sua energia é tão essencial ao escritor como respirar.
Joseph Campbell falava dos arquétipos como se fossem
um fenômeno biológico, expressões dos órgãos de um corpo, parte da constituição
de todo ser humano. A universalidade desses padrões é que possibilita compartir
a experiência de contar e ouvir histórias. Um narrador instintivamente escolhe
personagens e relações que dão ressonância à energia dos arquétipos, para criar
experiências dramáticas reconhecíveis por todos. Tomar consciência dos
arquétipos só pode aumentar nosso domínio do ofício.
Arquétipos
como funções
Quando comecei a lidar com essas idéias, pensava num
arquétipo como um papel fixo, que um personagem desempenharia com exclusividade
no decorrer de uma história. Quando identificava que um personagem era um
mentor, esperava que ele fosse até o fim sendo mentor, e apenas mentor.
Entretanto, quando fui trabalhar com os motivos de contos de fadas, como
consultor de histórias para a Disney, descobri outra maneira de encarar os
arquétipos — não como papéis rígidos para os personagens, mas como funções que
eles desempenham temporariamente para obter certos efeitos numa história. Essa
observação vem da obra de um especialista russo em contos de fadas, Vladimir
Propp, cujo livro Morphology Of The Folktale [Morfologia do conto popular]
analisa motivos e padrões recorrentes em centenas de contos russos.
Olhando os arquétipos dessa maneira, como funções
flexíveis de um personagem e não como tipos rígidos de personagem, é possível
liberar a narrativa. Isso explica como um personagem numa história pode
manifestar qualidades de mais de um arquétipo. Pode-se pensar nos arquétipos
como máscaras, usadas temporariamente pelos personagens à medida que são
necessárias para o avanço da história. Um personagem pode entrar na história
fazendo o papel de um arauto, depois trocar a máscara e funcionar como um bufão
ou pícaro, um mentor ou uma sombra.
Facetas da
personalidade do herói
Outra maneira de encarar os arquétipos clássicos é
vê-los como facetas da personalidade do herói (ou do escritor). Os outros
personagens representam possibilidades para o herói — boas ou más. Às vezes um
herói percorre uma história reunindo e incorporando a energia e os traços de
outros personagens. Aprende com eles e vai fundindo tudo até chegar a ser um
ser humano completo, que pegou algo de cada um que foi encontrando pelo
caminho.
Os arquétipos também podem ser vistos como símbolos
personificados das várias qualidades humanas. Como as cartas dos arcanos
maiores do taro, representam os diferentes aspectos de uma personalidade humana
completa. Toda boa história é um reflexo da história humana total, da condição
humana universal de nascer neste mundo, crescer, aprender, lutar para se tornar
um indivíduo, e morrer. As histórias podem ser lidas como metáforas da situação
humana geral, com personagens que incorporam qualidades universais
arquetípicas, compreensíveis para o grupo, assim como para o indivíduo.
Os
arquétipos mais comuns e mais úteis
Para quem conta histórias, certos arquétipos são uma
espécie de ferramenta indispensável ao ofício. Não é possível contar histórias
sem eles. Os arquétipos que ocorrem com mais freqüência nas histórias (logo, os
mais úteis para que um escritor conheça) são:
HERÓI - Em termos psicológicos, o arquétipo do Herói
representa o que Freud chamou de ego — a parte da personalidade que se separa
da mãe, que se considera distinta do resto da raça humana. Em última análise,
um Herói é aquele que é capaz de transcender os limites e ilusões do ego, mas,
de início, os Heróis são inteiramente ego, se confundem com o ego, o
"eu", com aquela identidade pessoal que pensa que é distinta do resto
do grupo. A jornada de muitos Heróis é a história dessa separação da família ou
da tribo, equivalente ao sentido de separação da mãe, que uma criança vivência.
MENTOR (VELHA OU VELHO SÁBIO) - Na anatomia da psique
humana, os mentores representam o self, o deus dentro de nós, o aspecto da
personalidade que está ligado a todas as coisas. O ser superior é a parte mais
sábia, mais nobre, mais parecida com um deus em nós. Como o Grilo Falante, na
versão da Disney para o Pinóquio, o ser atua como uma consciência, para nos
guiar na estrada da vida quando não houver uma Fada Azul ou um Gepeto por
perto, para nos proteger e nos mostrar o que é certo ou errado.
GUARDIÃO DE LIMIAR -
Esses Guardiões podem representar os obstáculos comuns, que todos nós
temos que enfrentar no mundo que nos cerca: azar, preconceitos, opressão ou
pessoas hostis, como a garçonete que se recusa a atender ao pedido simples de
Jack Nicholson em “Melhor é impossível”. Contudo, num nível psicológico mais
profundo, eles representam nossos demônios internos: as neuroses, cicatrizes
emocionais, vícios, dependências e autolimitações que seguram nosso crescimento
e progresso. Parece que, cada vez que a gente tenta fazer uma grande mudança na
vida, esses demônios íntimos erguem-se com toda a força, não necessariamente
para nos deter, mas para testar e verificar se estamos realmente determinados a
aceitar o desafio da mudança.
ARAUTO - Os Arautos desempenham função psicológica
importante, ao anunciarem a necessidade de mudança. Algo no nosso íntimo sabe
quando estamos prontos para mudar, e nos envia uma mensagem. Pode ser uma
figura de sonho, uma pessoa real ou uma nova idéia que encontramos. Em Campo
dos sonhos, é a Voz misteriosa que o herói ouve, a dizer: "Se você o
construir, eles virão." O Chamado pode vir de um livro que lemos, ou de um
filme que vimos. Mas algo dentro de nós é tocado, como um sino que leva um golpe,
e as vibrações resultantes espalham-se por nossa vida, até que a mudança seja
inevitável.
CAMALEÃO - Um propósito psicológico importante do
arquétipo do Camaleão é expressar a energia do animus e da anima, termos usados
pelo psicólogo Carl Jung. O animus é o nome que Jung dá ao elemento masculino
no inconsciente feminino, ao emaranhado de imagens positivas e negativas de
masculinidade nos sonhos e fantasias de uma mulher. A anima é o elemento
feminino correspondente no inconsciente masculino. Segundo essa teoria, as
pessoas têm um conjunto completo tanto de qualidades femininas como de
masculinas, e ambas são necessárias para a sobrevivência e o equilíbrio
interno.
SOMBRA - A Sombra pode representar o poder dos
sentimentos reprimidos. Um trauma profundo ou uma culpa podem crescer quando
exilados para a escuridão do inconsciente, e emoções escondidas ou negadas
podem se transformar em algo monstruoso que quer nos destruir. Se o Guardião de
Limiar representa neuroses, o arquétipo da Sombra representa as psicoses que
não apenas nos prejudicam, mas ameaçam nos destruir. A Sombra pode,
simplesmente, ser aquela nossa parte obscura contra a qual estamos sempre
lutando, em nosso combate contra os maus hábitos ou velhos medos. Essa energia
pode ser uma força interna poderosa, com vida própria e com seu próprio sistema
de interesses e prioridades. Pode ser uma força destrutiva, principalmente se
não for reconhecida, enfrentada e trazida à luz.
PÍCARO - Os Pícaros cumprem várias funções
psicológicas importantes. Podam os egos grandes demais, trazem heróis e
platéias para a real. Ao provocarem nossas gargalhadas saudáveis, ajudam-nos a
perceber nossos vínculos comuns, apontando as bobagens e a hipocrisia. Acima de
tudo, introduzem mudanças e transformações sadias, muitas vezes chamando a
atenção para o desequilíbrio ou o absurdo de uma situação psicológica
estagnada. São os inimigos naturais do status quo. A energia picaresca pode se
manifestar por meio de acidentes enganosos ou lapsos de língua que nos alertam
para a necessidade de mudança. Quando estamos nos levando demasiadamente a
sério, a parte Pícaro de nossa personalidade pode surgir de repente para nos
devolver a necessária perspectiva.
É evidente que existem muitos outros arquétipos —
tantos quantas são as qualidades humanas que podem ser dramatizadas numa
história. Os contos de fadas estão repletos de figuras arquetípicas: o Lobo, o
Caçador, a Mãe Boa, a Madrasta Má, a Fada-Madrinha, a Bruxa, o Príncipe ou
Princesa, o Estalajadeiro Cobiçoso e assim por diante, que desempenham funções
altamente especializadas. Jung e outros identificaram muitos arquétipos
psicológicos, como o Puer Aeternus, ou o eterno menino, que pode ser encontrado
em mitos como o do sempre-jovem Cupido, em histórias de personagens como a de
Peter Pan, e na vida, como homens que nunca querem crescer.
Determinados gêneros de histórias modernas desenvolvem
seus próprios personagens especializados, como a "Prostituta de Bom
Coração", ou o "Tenente Arrogante de West Point" nos filmes de
faroeste, ou os pares de "Policial Bom e Policial Mau" nos policiais,
ou o "Sargento Durão, mas Justo", nos filmes de guerra.
Entretanto, esses são apenas variantes e refinamentos
dos arquétipos básicos que vamos discutir nos capítulos seguintes. Esses que
discutiremos são os padrões mais fundamentais, a partir dos quais se configuram
todos os outros, para se adaptarem às necessidades específicas de diferentes
histórias e gêneros.
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Questões
1 - Todo mundo é o herói. Num filme, livro ou
história (de qualquer natureza) que nos
cativa sempre identificamo-nos com o herói/protagonista, mesmo que ele não seja
um herói como o Superman, paladino da ordem e da justiça. Aliás, temos mais
facilidade de aceitar heróis que vivem situações cotidianas e são imperfeitos,
sofrendo e fazendo sofrer, amando e fazendo amar. O Spiderman, por exemplo, tem
uma popularidade muito mais alta que o alter ego de Clark Kent. Se sua vida
fosse um livro (ou filme) quem seriam os personagens principais da obra de sua
existência? Associe-os com os arquétipos citados pelo texto 1. Não precisa
citar nomes reais, se quiser invente nomes sugestivos para os personagens. Faça
um pequeno resumo da biografia de cada um destes protagonistas.
2 - Crie um pequeno texto escolhendo um dos
personagens arquetípicos da questão anterior e relate como foi a primeira vez
que o conheceu. Obs.: Seria mais interessante que fizesse uma história
fantástica como metáfora, ou seja, não relate apenas eventos que ocorreram em
sua vida, mas crie, transforme, modifique, dê asas a sua imaginação e construa
uma história diferente... Podendo ser até uma história de super-heróis... Por
que não? (Mínimo 40 linhas - digitado)
3 - Olhando não apenas para a sua história como
um micro-universo, mas olhando para a história do cosmo, podemos encontrar
diversos arquétipos universais. A existência terrestre está recheada de
arquétipos, não apenas aqueles que você encontrou no texto de Christopher
Vogler. Quais arquétipos, não citados pelo texto, você julga importante? Cite
pelo menos 3 (três) e descreva-os brevemente.
4 - Quando lemos uma história fictícia sabemos
que seus personagens não são reais, todavia suas existências podem influir em
nossa experiência como humanos. Você pode até achar que não, mas às vezes a
barreira que separa a ficção da realidade se afina a tal ponto que não
conseguimos diferenciar uma da outra. Romances de ficção científica e filmes já
idealizaram sociedades futuras que a população tem ao seu dispor aparatos
tecnológicos que podem agir na psique diretamente, fazendo o “usuário”
mergulhar fundo em suas fantasias. São inúmeros filmes que exploraram este
paradigma, por exemplo, Matrix, eXistenZ e 13º. Andar entre outros, mas
recentemente pesquisadores do Darpa, departamento de defesa norte-americano, o
mesmo que “criou a internet”, conseguiram através de indução magnética inserir
informações auditivas e visuais na mente de voluntários. Pode parecer pouco,
pois conseguiram apenas inserir palavras e som primitivos, mas tal tecnologia
abre portas para a criação de um mundo de realidade virtual, indistinguível da
real. E à medida que essa fantasia ganhar mais adeptos talvez o que chamaremos
de realidade não cheguem nem perto do conceito que temos hoje. Escreva um texto
de modalidade redacional a sua escolha que explore melhor essa possibilidade
ressaltando a influência da ficção sobre a realidade. (Mínimo 10 linhas –
digitado)
Está tela vermelha não me deixou ler. Uma pena
ResponderExcluirQuando você usa o Mozilla Firefox, na barra de endereços tem um ícone no formato de uma folha. Click nela e a leitura será mais fácil. Obrigado pela visita e volte sempre.
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