“Nesta publicação proponho uma viagem entre linguagens: do verbo, da imagem, do reflexo, até a Graça que Deus revela. Vamos olhar juntos quem é o Eu, o Verbo Ser, e como Ele fala à nossa existência.”
Na frase “Eu como carne”, quem realiza a ação? É o sujeito, o “eu”, que pratica o verbo/ação “comer”. Agora pense: e na frase “Eu sou Rodrigo”? O que o verbo está fazendo aí? Ele não mostra uma ação como comer ou correr. Ele liga. O verbo “ser” é um verbo de ligação, que conecta o sujeito àquilo que ele é. Outro dia, eu estava apresentando um jogo de tiro em primeira pessoa para alguns amiguinhos da minha filha, a Laura Sofia. Eles nunca tinham jogado videogame, muito menos um FPS. No começo, a mocinha, chamada Noemi, e seu irmão demoraram a entender que não viam o personagem, porque estavam dentro dele. Foi só quando, de repente, a menina parou, arregalou os olhos e disse com um sorriso: “Eu estou olhando com os olhos dele...” Naquele instante, ela entendeu. E eu ri e respondi: “Isso mesmo.”
Assim também é conosco: o verbo ser nos liga a tudo que há. É como os olhos. Com eles, vemos todos, mas para ver os nossos próprios olhos precisamos de um reflexo... um espelho... e nele aparece nossa imagem e semelhança. Nossa imagem é o memorial de Deus. Por isso Ele não se agrada de ícones de adoração: porque já somos Sua imagem viva, impressa em nós. O mesmo acontece com Deus. O que sempre esteve patente diante de nós não vemos, porque Ele está perto demais do nosso “eu”. Estamos no meio de D>>EU<<S. Nele existimos, nos movemos e temos o ser. Quando Deus disse a Moisés: EU SOU O QUE SOU (Êxodo 3:14), Ele não revelou apenas um nome, mas a própria realidade do Ser. O verbo “ser” não é só uma palavra na gramática, mas um reflexo em nossa linguagem do fundamento último da existência. Cada vez que dizemos “é” ou “sou”, em qualquer mídia ... falado, escrito, imaginado ou visto ... tocamos, mesmo sem perceber, naquilo que só existe porque Deus É. Ele não apenas tem o ser: Ele É o Ser. Nós existimos porque participamos Dele, mas Ele existe por Si mesmo. Assim, o simples “É” não é apenas um sinal linguístico: é um testemunho de que o Ser absoluto se manifesta. O verbo em nossas línguas é apenas a sombra de uma realidade eterna, a mesma que sustenta todas as coisas e que se revelou em Jesus Cristo, o Verbo feito carne (João 1:14). O Velho Testamento veio mostrar este memorial de Deus: o EU SOU. Deus É. Mas o Novo Testamento veio mostrar o porquê do ser, e a razão é a graça. Graça é tudo o que queremos na vida. Se não há graça, não há por que ali estar ou existir. Pode ser que seja uma graça futura ... no presente o lugar ou a situação não nos pareça boa ... mas se todo dia suportarmos os vasos de ira, sejam eles quem forem ou o que forem, a graça se revelará. Jesus veio para nos mostrar a Graça e a Verdade, no Amor de Deus. É uma percepção profunda: o Eu é o centro da experiência, porque tudo passa pelos nossos olhos, sentidos e consciência. Mas paradoxalmente nós somos aqueles que menos vemos. O mundo inteiro se apresenta diante de nós, mas o nosso rosto, nossa forma, só nos é revelada no reflexo ... no espelho, na água, na fotografia... ou no outro. O Eu é a lente pela qual tudo se mostra, mas ele próprio permanece oculto. E quando enfim nos vemos, quase sempre é para o outro ... para nos arrumarmos, para sermos aceitos, amados, reconhecidos. É nesse ponto que o Eu se abre em relação: não é fechado em si, mas voltado para fora. O narcisismo é a exceção trágica: quando o Eu fica aprisionado no próprio reflexo e perde o contato com a realidade. Esse mistério ecoa no que Paulo disse: “Agora vemos como em espelho, em enigma; mas então veremos face a face” (1Co 13:12). Só em Deus o Eu encontra o Tu absoluto. E só nesse encontro o Eu se revela plenamente.
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