Quando Paulo diz em II Coríntios que receava que “assim como a serpente
enganou a Eva”, do mesmo modo fossem “as nossas mentes corrompidas”,
afastando-nos da pureza e simplicidade devidas a Cristo — ele fazia isto
se relacionar à seqüência do texto, que mostra os “falsos apóstolos,
ministros de justiça (disfarçados) e anjos de luz (travestidos); todos
figuras representativas da serpente que enganou a Eva e seu marido; e
que, agora, em seu disfarce apostolar, afastavam o povo da simplicidade e
pureza do Evangelho; fosse com sua crença legalista e anti-graça
(judaizantes); fosse mediante as perversões de evangelhos gnósticos, do
Cristo esotérico, as quais eles tentavam “vender” para o povo.
Entretanto, ao dizer “Receio de vós que assim como a serpente enganou a
Eva, assim também sejam corrompidas as vossas mentes” — o apóstolo abria
uma nova dimensão para o Éden. Sim, o Éden da Mesopotâmia, geográfico,
dava agora lugar ao Éden não lugarizado, e que existe e re-existe sempre
outra vez no coração humano; posto que a arquitetura da alma humana é
sempre um Éden.
Sim, um Éden no útero da mãe, de onde somos expulsos. Um Éden na
infância, da qual somos expulsos. Um Éden na adolescência, de onde somos
forçados a sair. Um Éden na juventude, de onde se tem que sair para
virar adulto e arar a terra. Um Éden histórico, do qual sairemos não
mais como expulsos, mas como elevados à Glória pela Graça de Cristo.
Ora, de um lado, todos estão fora do Éden; pois “pecamos à semelhança do
pecado de Adão” — segundo Paulo, escrevendo aos Romanos. Por isto se
diz que “todos pecaram” e que todos “igualmente carecem da Glória de
Deus”.
Assim, a humanidade nasce fora do Éden; pois, ‘em’ Adão e ‘como’ Adão —
fomos tanto nele como também em nós mesmos, expulsos do Éden!
Todavia, a constituição da alma é sempre um Éden Psicológico. Sim,
porque na alma, todos nós, temos Adão (animus), temos Eva (anima), temos
a Árvore da Vida (a vocação para o eterno), temos a Árvore do
Conhecimento do Bem de Mal (nossa vontade de independência de Deus),
temos todas as arvores do Jardim (a liberdade ampla de boas escolhas de
vida; sem proibições), temos a Voz de Deus, e também os sons sibilantes
da serpente oportunista, e que faz seu “bolo de serpente” pronta para “o
bote”, justamente nos galhos da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal.
Esta é a constituição arquetípica de nosso aparelho psíquico.
Ora, nesse sentido, o Éden é um lugar em nós; e do qual nos sentimos
exilados pela culpa e pela transgressão essencial que nos faz já
nascermos dando curiosos ouvidos às sibilações da serpente; a qual
trabalha contra alma sempre com a proposta de um saber que nos faça
prescindir, supostamente, de Deus.
Assim, a serpente invisível, e que existe como ente espiritual, ganha
seu poder quando a serpente do aparelho psíquico repete para nós,
conforme nossas pulsões interiores, as mesmas propostas feitas pela
serpente do Éden Mesopotâmico.
Desse modo, mesmo expulso do Éden, carregamo-lo como realidade psíquica e
arquetípica em nós mesmos!
Ora, assim como um Querubim foi posto no caminho para a Árvore da Vida,
no Éden da Bíblia; assim também há um Querubim, no Éden da alma, e que
nos impede o acesso autônomo à vida sem Deus; ou seja: à tentativa de
viver eternamente sem Deus!
Daí vem todo o sentimento de idas e vindas que sentimos em nós mesmos;
ora sentindo-nos no Éden; ora exilados dele — tudo isto sendo reeditado
pelas experiências de culpa.
Paulo diz que os Coríntios estavam vivendo na Graça a experiência de uma
Eva não seduzida; existindo num Éden pacificado pelo amor e pelo perdão
de Deus.
Entretanto, ele avisa que como os mesmos elementos do Éden existem em
nós, continua sempre a possibilidade de que as “serpentes” de fora (no
caso deles os falsos apóstolos), pudessem encontrar o seu recíproco
narcisista em nós; e, assim, sermos enganados; e, mais uma vez, expulsos
do Éden da simplicidade e pureza devidas a Cristo.
É por tal razão que muitos cristãos confessam o tempo todo que são de
Cristo, mas, apesar disto, vivem em estado de permanente angustia. Sim, a
angustia dos exilados; e eles nem mesmo sabem a razão.
Digo isto porque somente a simplicidade e a pureza do Evangelho, vivido
pela fé no Filho de Deus, é o que nos veste para que a existência no
Éden interior não seja feita da culpa que se esconde por de trás das
árvores do Jardim, mas da paz dos reconciliados e vestidos pelo Sangue
do Cordeiro.
Entretanto, quem não reconhece que o cenário do Éden o habita, esse é
sempre enganado, pensando que a serpente de fora é quem nos manipula,
sem nos darmos conta que é a serpente que habita a constitutividade de
nosso ser, o elemento psíquico que mais nos seduz à autonomia; ou a
qualquer que seja o “outro evangelho”.
Assim, arquetípica e simbolicamente, a Árvore da Vida é o Evangelho; as
outras árvores do Jardim são toda nossa liberdade; a Árvore do
Conhecimento do Bem e do Mal é nossa intrínseca vontade de ascender por
conta própria; a serpente é a pulsão desse desejo; a anima é a via pela
qual o desejo de transcendência se torna objeto de perversão; animus é a
legitimação do ato psíquico da anima; e o Querubim é o impedimento
divino que nos mantém sem a eternidade autônoma; pois, do contrário,
seriamos fixados num estado de irredimibilidade.
Paulo, portanto, nos assegura que somente a pureza e a simplicidade do
Evangelho de Cristo é o que pode nos fazer vencer as seduções externas e
internas das serpentes!
Pense nisto!
Nele,
Caio
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