...os quais por meio da fé venceram reinos, praticaram a justiça, alcançaram promessas, fecharam a boca dos leões, apagaram a força do fogo, escaparam ao fio da espada, da fraqueza tiraram forças, tornaram-se poderosos na guerra, puseram em fuga exércitos estrangeiros. As mulheres receberam pela ressurreição os seus mortos; uns foram torturados, não aceitando o seu livramento, para alcançarem uma melhor ressurreição; e outros experimentaram escárnios e açoites, e ainda cadeias e prisões. Foram apedrejados e tentados; foram serrados ao meio; morreram ao fio da espada; andaram vestidos de peles de ovelhas e de cabras, necessitados, aflitos e maltratados (dos quais o mundo não era digno), errantes pelos desertos e montes, e pelas covas e cavernas da terra. - Hebreus 11:33
Fazia um frio
terrível; caía a neve e estava quase escuro; a noite descia: a última noite do
ano. Em meio ao frio e à escuridão uma pobre menininha, de pés no chão e cabeça
descoberta, caminhava pelas ruas. Quando saiu de casa trazia chinelos; mas de
nada adiantavam, eram chinelos tão grandes para seus pequenos pezinhos, eram os
antigos chinelos de sua mãe. A menininha os perdera quando escorregara na
estrada, onde duas carruagens passaram terrivelmente depressa, sacolejando. Um
dos chinelos não mais foi encontrado, e um menino se apoderara do outro e
fugira correndo. Depois disso a menininha caminhou de pés nus - já vermelhos e
roxos de frio. Dentro de um velho avental carregava alguns fósforos, e um
feixinho deles na mão. Ninguém lhe comprara nenhum naquele dia, e ela não
ganhara sequer um níquel. Tremendo de frio e fome, lá ia quase de rastos a
pobre menina, verdadeira imagem da miséria! Os flocos de neve lhe cobriam os
longos cabelos, que lhe caíam sobre o pescoço em lindos cachos; mas agora ela
não pensava nisso. Luzes brilhavam em todas as janelas, e enchia o ar um
delicioso cheiro de ganso assado, pois era véspera de Ano-Novo. Sim: nisso ela
pensava!Numa esquina formada por duas casas, uma das quais avançava mais que a
outra, a menininha ficou sentada; levantara os pés, mas sentia um frio ainda
maior. Não ousava voltar para casa sem vender sequer um fósforo e, portanto sem
levar um único tostão. O pai naturalmente a espancaria e, além disso, em casa
fazia frio, pois nada tinham como abrigo, exceto um telhado onde o vento
assobiava através das frinchas maiores, tapadas com palha e trapos. Suas
mãozinhas estavam duras de frio. Ah! bem que um fósforo lhe faria bem, se ela
pudesse tirar só um do embrulho, riscá-lo na parede e aquecer as mãos à sua
luz! Tirou um: trec! O fósforo lançou faíscas, acendeu-se. Era uma cálida chama
luminosa; parecia uma vela pequenina quando ela o abrigou na mão em concha... Que
luz maravilhosa! Com aquela chama acesa a menininha imaginava que estava
sentada diante de um grande fogão polido, com lustrosa base de cobre, assim
como a coifa. Como o fogo ardia! Como era confortável! Mas a pequenina chama se
apagou, o fogão desapareceu, e ficaram-lhe na mão apenas os restos do fósforo
queimado. Riscou um segundo fósforo. Ele ardeu, e quando a sua luz caiu em
cheio na parede ela se tornou transparente como um véu de gaze, e a menininha
pôde enxergar a sala do outro lado. Na mesa se estendia uma toalha branca como
a neve e sobre ela havia um brilhante serviço de jantar. O ganso assado fumegava
maravilhosamente, recheado de maçãs e ameixas pretas. Ainda mais maravilhoso
era ver o ganso saltar da travessa e sair bamboleando em sua direção, com a
faca e o garfo espetados no peito! Então o fósforo se apagou, deixando à sua
frente apenas a parede áspera, úmida e fria. Acendeu outro fósforo, e se viu
sentada debaixo de uma linda árvore de Natal. Era maior e mais enfeitada do que
a árvore que tinha visto pela porta de vidro do rico negociante. Milhares de
velas ardiam nos verdes ramos, e cartões coloridos, iguais aos que se vêem nas
papelarias, estavam voltados para ela. A menininha espichou a mão para os
cartões, mas nisso o fósforo apagou-se. As luzes do Natal subiam mais altas.
Ela as via como se fossem estrelas no céu: uma delas caiu, formando um longo
rastilho de fogo. "Alguém está morrendo", pensou a menininha, pois
sua vovozinha, a única pessoa que amara e que agora estava morta, lhe dissera
que quando uma estrela cala, uma alma subia para Deus. Ela riscou outro fósforo
na parede; ele se acendeu e, à sua luz, a avozinha da menina apareceu clara e
luminosa, muito linda e terna. - Vovó! - exclamou a criança. - Oh! leva-me
contigo! Sei que desaparecerás quando o fósforo se apagar! Dissipar-te-ás, como
as cálidas chamas do fogo, a comida fumegante e a grande e maravilhosa árvore
de Natal! E rapidamente acendeu todo o feixe de fósforos, pois queria reter
diante da vista sua querida vovó. E os fósforos brilhavam com tanto fulgor que
iluminavam mais que a luz do dia. Sua avó nunca lhe parecera grande e tão bela.
Tornou a menininha nos braços, e ambas voaram em luminosidade e alegria acima
da terra, subindo cada vez mais alto para onde não havia frio nem fome nem
preocupações - subindo para Deus. Mas na esquina das duas casas, encostada na
parede, ficou sentada a pobre menininha de rosadas faces e boca sorridente, que
a morte enregelara na derradeira noite do ano velho. O sol do novo ano se
levantou sobre um pequeno cadáver. A criança lá ficou, paralisada, um feixe
inteiro de fósforos queimados. - Queria aquecer-se - diziam os passantes. Porém,
ninguém imaginava como era belo o que estavam vendo, nem a glória para onde ela
se fora com a avó e a felicidade que sentia no dia do AnoNovo. (Hans - Christian Andersen)
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